[CRÍTICA] Batman: Begins

O prazeroso de ser assistir um filme anos depois de seu lançamento é a possibilidade de poder analisar com calma cada detalhe da produção e ver qual o impacto que o longa causou em seu futuro. É inegável que nos dias atuais, os filmes de super-heróis se tornaram um dos principais focos do cinema, assumindo as maiores bilheterias e aumentando cada vez mais seu público, mas antes dessa era de Universos Compartilhados, as ainda não tão aclamadas adaptações de quadrinhos começaram a surgir, e entre elas, nasceu Batman Begins.

Na época de lançamento do filme, o gênero de heróis começava a se destacar nas telonas, principalmente após as estreias de Homem-Aranha 1 e 2 com Tobey Maguire e os dois primeiros filmes dos X-Men, hoje considerados obras primas para alguns fãs. Mas mesmo assim, o histórico do Batman nas telonas não era muito a favor de um novo filme do Homem-Morcego, ainda mais depois de vergonhas como Batman Eternamente e Batman & Robin. E para dificultar ainda mais a nova adaptação, o recém-lançado e muito bem recebido Homem-Aranha 2 trazia uma trama colorida e descontraída, o completo oposto de sua chamativa para o Batman. Mas em Christopher Nolan se pode confiar!

Sendo conhecido por mexer com a mente do público em seus filmes, Nolan parecia ser a pessoa certa para comandar a trajetória de Bruce Wayne nos cinemas, afinal, o bilionário nada mais é que um homem com problemas psicológicos.  E estavam certos sobre o diretor! Tendo acabado de comandar o aclamado Memento (no Brasil, Amnésia) na época, o cineasta abraçou a produção e entregou um trabalho digno do Batman: sombrio e meticuloso. Todo seu projeto é muito bem trabalhado nos diálogos, explicando com belas frases de efeito (ainda que às vezes repetitivas) o que Nolan quer passar.

Mas o grande trunfo de Christopher Nolan em Batman Begins é seu ultrarrealismo, um fator que não só mudou a percepção de seu longa como também a maneira de se fazer filmes de super-heróis. Nele, conhecemos mais de Bruce Wayne do que do próprio Batman, e essa é uma escolha que firma o longa com os dois pés no chão, afinal, embora os filmes da época tenham lá seu lado humano e suas semelhanças com o mundo real, aqui não temos um homem com genes alterados ou picado por uma aranha radioativa, mas sim um ser humano com falhas que busca seu extremo para alcançar seus objetivos.  O roteiro de Nolan, que foi escrito ao lado de David S. Goyer, se preocupa em explicar cada mínimo detalhe da criação do Batman, desde as motivações de seu alter-ego – que são muito bem transitadas em flashes do passado e presente na metade inicial do longa – até a criação de seus equipamentos, justificando cada peça.

O grande escolhido para o protagonista, Christian Bale, é perfeito no papel, tanto que o ator surpreende com uma bela representação de seus três personagens: Batman, o Bruce Wayne playboy e o verdadeiro Bruce Wayne – sendo este último, mesmo bem entregue por Bale, traído pelo roteiro, que trata com descaso a inteligência do personagem nos quadrinhos e o faz refém da genialidade de Lucius Fox. Este primeiro filme de um trilogia serviu para estabelecer as personalidades de Bruce, enfatizando que sua verdadeira face é quando se veste de vigilante e Bruce Wayne é sua máscara, o que consequentemente nos mostra mais de seu lado humano do que seus trabalhos noturnos como Homem-Morcego e resulta em uma quantidade mínima de cenas de ação, que mesmo aparecendo na hora exata, são mal exibidas e carregadas de flashes rápidos e confusos – exceto pela perseguição de carros, que fascina com as habilidades do bat-móvel.

Mas como um homem não faz um filme sozinho, Christian Bale ganha um apoio sensacional no longa devido elenco fabuloso escolhido por Christopher Nolan. É sempre um prazer ver Lucius Fox e Alfred sendo interpretados pelos experientes Morgan Freeman e Michael Caine, que trazem um sutil alívio cômico para a trama sombria. Cillian Murphy, que na época havia feito teste para interpretar o protagonista do filme, se encaixou com êxito no papel de Espantalho, mesmo que seu personagem saia de cena de forma tosca. E Gary Oldman como Jim também é maravilhoso, o melhor papel coadjuvante de sua carreira (particularmente falando). Até mesmo Katie Holmes se sai bem como a carismática Rachel Dawes, porém criada para ser mais que um par romântico para Bruce, não conseguiu nem ao menos ser isso, tendo uma importância quase nula no fim das contas e não trazendo grandes alterações na história em si.

Se 11 anos depois teríamos um dilema e um foco maior em (save) Martha, em Batman Begins é Thomas Wayne o grande destaque da vida de Bruce. Inspirado na ideia de que seu pai representava, o herói se vê constantemente perdido sem uma figura paterna ao seu lado, o que faz com que ele busque isso diversas vezes durante o longa, seja em Alfred, Jim Gordon ou até mesmo em Ra’s Al Ghul (um júbilo nas mãos de Liam Neeson!). No desfecho do longa, vemos Batman derrotando seu mestre e rompendo essa incessável busca por um pai, evoluindo e encontrando um caminho para seguir.

O final do filme traz uma bela e gostosa referência que, como sabemos agora, é honrada no segundo filme e traz a magnífica performance de Heath Ledger como Coringa. É notável dizer que, ao contrário da série de TV Gotham, que estreou quase 10 anos depois, o filme trata bem suas consequências e revela que a criação de um herói acarreta na criação de novos e mais poderosos vilões, diferente da série de TV, que apresenta todos os antagonistas possíveis do Batman antes mesmo dele existir.

Batman Begins é de longe um primor dos filmes de super-heróis e uma aula mestrada por Christopher Nolan sobre como fazer uma boa história. Mesmo que o diretor mude algumas coisas em relação à obra original, sua visão do conto do Homem-Morcego abrange tudo que ele representa com sucesso: medo e esperança. Vê-lo nos dias de hoje e sabendo o que vem pela frente, tornam o longa um dos mais importantes pilares para os filmes do gênero que temos atualmente.

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