Vindo de filmes como Beleza Americana e 007: Operação Skyfall, o diretor Sam Mendes retorna mais uma vez aos holofotes no assombroso 1917, uma experiência cinematográfica única, memorável e imersiva fundamentada em seus planos-sequência. Sou suspeito a falar sobre o assunto pois este que vos escreve é fissurado pela beleza trabalhosa de um plano-sequência, logo, um filme inteiramente mergulhado nesta ferramenta através de cortes imperceptíveis acaba sendo um deleite sem igual – o mesmo foi válido para Birdman (2014), de Alejandro González Iñárritu.
O plano-sequência imersivo de Sam Mendes nos obriga a viver quase que literalmente na guerra, causando a incrível sensação de estar dentro do filme, um artifício tão bem utilizado que te mergulha na produção muito mais que um simplório 3D, é uma técnica que supera a própria tecnologia. É através desse recurso que nos vemos ali, sentindo a crueldade das batalhas, nos acalmando com serenidade de uma canção ou vivenciando os obstáculos dos protagonistas, seja na tensão de se esgueirar pela Terra de Ninguém, no sufoco de passar pelos arames farpados ou na luta pela sobrevivência, onde cada estampido de tiro é uma parada cardíaca.
A trama do filme se passa durante a Primeira Guerra Mundial, porém o evento aqui funciona mais como um pano de fundo, o grande foco do enredo fica nos soldados Tom Blake (Dean-Charles Chapman) e William Schofield (George McKay), que recebem a missão de cruzar o território inimigo para entregar uma mensagem e salvar 1.600 vidas de uma armadilha. Enquanto Schofield acaba caindo por acaso nesta tarefa, Blake tem motivações maiores, afinal, seu irmão mais velho está entre os soldados que podem morrer caso eles não cumpram seu objetivo.
1917 é uma espécie de cinema “gameficado”, atingindo a mesma proposta de um jogo virtual. Na rápida e simples premissa, você recebe um objetivo e precisa passar por um árduo caminho cheio de obstáculos para cumpri-lo. A câmera imersiva colabora nessa sensação, te colocando dentro do protagonista (ou melhor, exatamente ao seu lado) e passando pelos mesmos desafios, com direito até mesmo a um descanso conforme passa cada “fase”, é um verdadeiro exercício em primeira pessoa.
O elenco do longa traz grandes nomes de Hollywood, como Andrew Scott (Sherlock), Mark Strong (Kingsman), Benedict Cumberbatch (Doutor Estranho) e Richard Madden (Game of Thrones), que fazem pequenas participações dentro do filme em altos cargos do exército ao fim de encantar a cada vez que um deles surge em tela. O astro do filme, porém, é George McKay, ator que muitos podem conhecer por Capitão Fantástico. O jovem britânico transmite dor, tristeza, preocupação e determinação com clareza em uma performance fabulosa ao lado de seu companheiro, Dean-Charles Chapman (o Tommen Baratheon de Game of Thrones), durante a perigosa jornada dos protagonistas.
Não existem cortes aqui, portanto, nos pontos onde eles comumente apareceriam, o diretor nos apresenta histórias, contos e situações de soldados durante a guerra, histórias estas que somadas ao plano-sequência, te aproximam ainda mais dos personagens ali presentes, te fazendo apenas mais um sentado, escutando. É válido dizer que a trama do filme teve inspiração nas histórias contadas pelo avô de Sam Mendes (que também assina o roteiro ao lado de Krysty Wilson-Cairns), Alfred H. Mendes.
Através da fotografia primorosa de Roger Deakins (Blade Runner 2049), da trilha sonora original espetacular e no impecável manuseio da mixagem e edição de som, 1917 se torna uma obra de arte pincelada por Sam Mendes em suas técnicas magistrais que proporcionam uma experiência memorável. É um filme incansável, tenso e aterrorizante, mas ainda sim, uma produção emocional, deslumbrante e solene. Sam Mendes sabe trabalhar com as ferramentas que escolhe e transcende maestria em sua exímia direção, fundamentando seu filme no mais puro e genuíno cinema.